Lesão compressiva do Nervo Mediano a nível do canal ou túnel cárpico
A síndrome do canal cárpico (ou túnel do carpo) é caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas característicos que resultam de uma disfunção do Nervo Mediano na sequência da sua compressão a nível do canal do carpo.
No seu trajeto do punho para a mão, o nervo mediano atravessa um canal estreito, delimitado por estruturas rígidas; no seu interio, para além do nervo mediano, o canal cárpico contém nove tendões flexores dos dedos. Nesta localização, o nervo mediano é muito susceptível, originando a síndrome do canal cárpico.
O canal cárpico é o local mais frequente de compressão nervosa no membro superior, razão pela qual a síndrome do canal cárpico é a neuropatia compressiva mais frequente do membro superior.
A síndrome do canal cárpico tem uma prevalência de 0.1 a 10% da população geral. É mais frequente em mulheres e tem maior incidência entre os 45 e 60 anos. Atinge mais frequentemente a mão dominante mas, não raramente, pode ser bilateral e associada a outras comorbilidades da mão (ex.: patologia osteoarticular).
O canal cárpico constitui um canal osteoligamentar ao nível do punho constituído maioritariamente por limites ósseos do carpo, à exceção da região anterior do canal que é formada uma banda fibrosa designada ligamento transverso do carpo.
Ao longo do seu trajeto no canal cárpico, o nervo mediano é acompanhado por 9 tendões flexores dos dedos e divide-se em vários ramos que são responsáveis pela sensibilidade do polegar, indicador, dedo médio e metade radial do dedo anelar. Além disso, o nervo mediano é responsável pela inervação motora de muitos, não todos, dos músculos da mão.
Na maioria dos casos de síndrome do canal cárpico, não se identifica uma causa evidente, sendo, como muitas outras, uma doente de origem multifatorial, para a qual contribui uma predisposição anatómica e vários fatores ambientais. Nesses casos a compressão resulta de um conflito de espaço, agravado pela inflamação de uma ou várias das restruturas contidas no canal cárpico, incluindo as bainhas sinoviais dos tendões flexores e o próprio nervo mediano.
Em casos mais raros, a compressão do nervo mediano pode ter uma causa bem definida como nos casos em que o nervo mediano é comprimido por lesões ocupando espaço no interior do canal cárpico (tenossinovite dos flexores, quistos, osteófitos, aneurismas, hematomas, etc.) ou por traumatismo do punho;
Embora geralmente não exista uma causa evidente, foram identificados fatores de risco para o desenvolvimento da síndrome do canal cárpico, nomeadamente o sexo feminino, a idade, a obesidade, a fratura do punho, a gravidez, o hipotiroidismo, a artrite reumatóide, a diabetes, a insuficiência renal, a amiloidose, o tabagismo, o uso prolongado de canadianas ou cadeira de rodas, a falta de desporto aeróbico e atividades que implique movimentos repetitivos da mão ou posicionamento prolongado do punho em posturas extremas, esforços prolongados a nível do punho ou exposição a vibração e/ou ao frio. Por estes motivos certas atividades desportivas e atividades laborais estão mais frequentemente associadas à síndrome do canal cárpico como é o caso do ciclismo, ténis e trabalhos que impliquem esforço e manual e movimentos reepetitivos (limpezas, cozinha, agricultura). No entanto, tendo em conta a natureza multifatorial, os fatores de risco conhecidos não são condição sempre necessária ou suficiente para o desenvolvimento da doença.
Apesar de não ser uma doença de transmissão hereditária monogénica, na síndrome do canal cárpico existe uma forte susceptibilidade genética, que provavelmente está relacionada com múltiplas características hereditárias implicadas na formação anatómica do canal cárpico. Além disso, diversas patologias hereditárias estão associadas com o desenvolvimento da síndrome do canal cárpico (ex: diabetes, doenças da tiroide, neuropatia hereditária, paramialoidose, etc.).
Os sintomas mais frequentes são dor, parestesias (“formigueiro” ou adormecimento) e/ou diminuição da sensibilidade nos 4 dedos inervados pelo nervo mediano (polegar, indicador, dedo médio e metade radial do dedo anelar). Estes sintomas geralmente têm um predomínio noturno e, muitas vezes, acordam o doente durante a noite.
Nas fases mais avançadas de compressão nervosa no canal do carpo, pode ocorrer diminuição da força da mão e atrofia muscular da eminência tenar.
Frequentemente os doentes referem que deixam cair objetos da mão. No entanto, a perda de sensibilidade e a dor são causas mais importantes de fraqueza da mão do que perda de força motora por si.
O diagnóstico do síndrome do túnel cárpico é essencialmente clinico e baseia-se numa combinação de sinais e sintomas característicos.
O exame físico na suspeita de síndrome do túnel cárpico envolve o exame sensitivo e motor da mão, pesquisando por sinais sugestivos do síndrome do túnel cárpico como atrofia, particularmente dos músculos inervados pelo nervo mediano (musculatura da eminência tenar), sendo a sua presença um sinal de compressão grave ou envolvimento do ramo recorrente do nervo mediano. Testes especiais como o teste de Tinel, Phalen e Durkan, consistem na realização de manobras provocativas que, quando positivas, são sugestivas de compressão do nervo mediano no canal do carpo.
Perante a suspeita clinica, o diagnóstico do síndrome do túnel cárpico pode ser confirmado por exames eletrofisiológicos, incluindo a eletromiografia e os estudos de condução nervosa. Além do diagnóstico, os exames eletrofisiológicos permitem também estadiar o grau de compressão nervosa, antecipando assim o tempo necessário para a recuperação da função nervosa e o seu prognóstico.
O síndrome do túnel cárpico geralmente é classificado em três graus: ligeiro, moderado e severo.
Os casos de síndrome do túnel cárpico ligeiro apenas cursam com alterações sensitivas nos exames eletrofisiológicos. Na presença de alterações sensitivas e motoras é classificado como síndrome do túnel cárpico moderado. O grau severo atribui-se perante qualquer evidência de perda axonal ou desnervação, sensitiva ou motora, nos exames eletrofisiológicos.
Na ausência de qualquer intervenção, a síndrome do canal cárpico pode evoluir progressivamente ao longo do tempo e pode conduzir a lesão grave e permanente do nervo mediano. No entanto, existe evidência científica de que o tratamento adequado interrompe esta evolução e, na maioria dos casos, conduz à recuperação completa dos sintomas de compressão do nervo mediano no canal do carpo.
A abordagem do síndrome do túnel cárpico, na maioria dos casos, deve começar por uma tentativa de tratamento conservador através do recurso a antinflamatórios não esteroides (AINEs), imobilização noturna do punho e, em alguns casos, modificação da atividade laboral e/ou recreativa ou de lazer, nomeadamente evitando atividades que envolvem força, movimentos repetitivos, extremos posturais ou vibração através do punho. O exercício aeróbico e a perda de peso também parecem ter efeitos benéficos.
Programas de exercícios de deslizamento e estiramento da mão e punho, massagem e/ou técnicas de deslizamento nervoso não tem demonstrado beneficio significativo no tratamento do síndrome do túnel cárpico.
As infiltrações com medicamentos corticóides podem proporcionar um alivio transitório dos sintomas nos casos em que o tratamento conservador foi insuficiente, sobretudo quando a cirurgia esta relativamente contraindicada.
O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de falência do tratamento conservador e nos casos de síndrome do túnel cárpico moderado a severo.
Na cirurgia do síndrome do túnel cárpico, o médico especialista em cirurgia da mão efetua uma libertação do nervo mediano no canal do carpo através da abertura do ligamento transverso do carpo. Esta operação pode ser realizada através de técnicas endoscópicas, mini-invasivas ou abertas.
Atualmente, as abordagens menos invasivas são as técnicas de eleição para a descompressão do canal do carpo uma vez que permitem uma reabilitação mais rápida e menor dor no pós-operatório.
A cirurgia do síndrome do túnel cárpico pode ser realizada com recurso a anestesia local, locorregional ou geral, com pouco desconforto para o doente.
As complicações da cirurgia do síndrome do túnel cárpico são raras. A mais frequente é a dor no local da cicatriz, que geralmente resolve espontaneamente. A formação de aderências é outra complicação que pode ser evitada com a massagem no local da cicatriz e a mobilização precoce do punho e dedos.
O pós-operatório, na maioria dos casos, é simples e o tempo de recuperação muito curto, sendo possível o retorno ao trabalho entre as 2 e as 4 semanas e às atividades sem restrições entre as 6 e as 8 semanas após a cirurgia do canal cárpico.
O recurso a fisioterapia após a cirurgia do canal cárpico é variável conforme a evolução, sendo que, na maior parte dos casos, não é necessária.
A cirurgia do síndrome do túnel do carpo produz resultados muito satisfatórios para o doente, com alivio imediato da dor e recuperação da sensibilidade normal, estando associada a baixas taxas de complicações.
Os sintomas motores que ocorrem nos estadíos mais avançados da compressão do nervo mediano, são aliviados mais lentamente e, nos casos de atingimento motor grave com atrofia, existe o risco da recuperação poder ser incompleta, por desnervação dos músculos em causa. Nestes casos, a libertação do nervo mediano pode ser complementada com uma transferência tendinosa para o polegar que vai auxiliar na força de preensão e de pinça do polegar, enquanto a reinervação (completa ou incompleta) da musculatura tenar vai ocorrendo.
O síndrome do túnel cárpico pode evoluir progressivamente, conduzindo a uma lesão irreversível do nervo mediano com incapacidade permanente da mão. Ainda permanece discutível se o tratamento conservador é capaz de prevenir a progressão do síndrome do túnel cárpico. O prognóstico após a cirurgia de libertação do nervo mediano no canal do carpo depende do estadío de compressão nervosa. Nos casos de compressão ligeira a moderada, em que os sintomas são essencialmente sensitivos, a recuperação geralmente é completa e imediata. À medida que a compressão progride e compromete a função motora, a recuperação é mais lenta e muitas vezes incompleta, particularmente se já existir perda axonal.